segunda-feira, 30 de novembro de 2009


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UMA HOMENAGEM
A FERNANDO SABINO
Para gostar de ler Fernando Sabino
by Eduardo Marciano
* Caco Belmonte, gaúcho de Porto Alegre, é jornalista e escritor. Autor do livro de contos “
No Orkut dos outros é colírio“, mantém o blog “O Exu Literato“, tem contos publicados em várias antologias e no momento escreve sua primeira novela, cujo título é “Segunda-feira”. O texto abaixo foi publicado originalmente no blog do autor e reproduzido aqui com sua autorização.
Em dezembro de 1991, passei no vestibular do curso de jornalismo da PUCRS e fui selecionado na Oficina de Criação Literária do Instituto de Letras e Artes da mesma universidade. Faz quase 18 anos. Eu tinha 19 anos e meus pais estavam de férias no Rio. De lá, após receberem a dupla notícia, trouxeram de presente “Os melhores contos de Fernando Sabino”, de quem eu já era leitor e fã.
Tenho o livro a meu lado agora, enquanto escrevo estas linhas. Na verdade, cresci lendo o Sabino. Era recorrente na biblioteca dos meus pais, e depois fiquei com todos os livros para mim. Aliás, se não estou enganado, o primeiro contato com a obra do autor foram as crônicas da coleção “Para gostar de ler”, da Editora Ática. Meu irmão, quatro anos mais velho, teve de fazer a leitura da obra como tarefa da escola. E eu aproveitei a oportunidade para fazer minhas primeiras incursões em “leituras de adulto”. Outra leitura que marcou meus primeiros passos foi “O menino no espelho”, da mesma forma que “O menino grapiúna”, de Jorge Amado, e “Menino de engenho”, de José Lins do Rego. Hoje, tenho quase todos os livros do Sabino.
O cara é um dos meus mestres, pela simplicidade da linguagem e a escolha do cotidiano como temática principal. Sabia valorizar a palavra, era econômico e nos seus textos não sobrava absolutamente nada. Além disso, fazia uso inteligente do diálogo direto. Usava na medida certa, sempre que possível entremeado por ações e breves descrições. E não era exibido, nem fazia malabarismo com a palavra. Era preto no branco.
Passados cinco anos ele ainda faz falta, e sempre fará. Ao menos o vazio e a ausência terminam quando releio a obra de Fernando Sabino. Escritor, jornalista, nasceu homem dia 12 de outubro de 1923, e morreu menino naquele dia 11 de outubro de 2004*. Quando eu partir, é dele um dos primeiros autógrafos que pedirei lá em cima.
* Por coincidência, 11 de outubro é a mesma data em que morreu Renato Russo, em 1996.
December 1, 2009
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Da interrupção, um caminho novo
by Eduardo Marciano
* João Paulo Cuenca, carioca, é escritor e jornalista, colunista de O Globo e
blogueiro do Globo Online. Além de autor dos romances “Corpo presente” e “O dia Mastroianni”, é um dos escritores participantes do projeto literário Amores Expressos, no qual vários autores passam um mês em uma determinada cidade do mundo e, com base nessa experiência, escrevem uma história de amor. JP Cuenca foi para Tóquio, e seu livro é um dos mais aguardados do projeto. O texto abaixo, republicado aqui com autorização do autor, foi publicado originalmente em 16 de outubro de 2004, no Jornal do Brasil.
O que ia fazer ali na hora do recreio, ninguém entendia. Nem os amigos mais próximos, nem as namoradinhas. Muito menos a freira que tomava conta da biblioteca. No início, o garoto era acanhado. Depois, ganhou intimidade com alguns autores que escolhia com curiosidade e sem recomendação. Mesmo podendo levá-los para casa, gastava tempo por ali, adiantando algumas páginas para eleger qual deles leria até o fim. Pelas largas janelas chegava o som longínquo da bagunça dos outros alunos, como se fizessem parte de outra vida.
Não eram só os livros que o atraíam à biblioteca. Ia sempre que estava aborrecido. Querendo ficar só. Podia ser uma paixão platônica por uma colega ou pela professora de matemática. Uma briga com amigos. Outra em casa, onde fazia birra e chorava, dizendo-se independente. E olha que a coisa já tinha sido mais feia. Quando menor, era uma criança de rompantes inacreditáveis. Comum dar com a cabeça na parede. Dizer que ia fugir e não voltar. Perguntava o tempo todo: por que isso, por que aquilo? Dizia que ia casar com a professora. Inventava moda. Brincava sozinho. Criava jogos que ninguém mais entendia. Não teriam como.
Cresceu um pouco, mas a sensação de isolamento continuou, apesar de já cultivar algumas amizades que durariam décadas. Mas, se as férias pareciam um intervalo gigantesco na sua vida, o que dizer de um ano ou dez? Quando pensava que um dia ficaria velho como seus pais, a professora ou a senhora que o observava com ar assoberbado entre os livros, uma onda de sentimentos contraditórios vinha à tona. Planejava ser astronauta, ator, milionário, espião, bombeiro, jogador de futebol e diretor de cinema. Entre as cem vidas que podemos escolher, gostava de pensar que poderia viver todas. Mas, no instante seguinte, recuava mil passos. E então, era como se não pudesse viver nem a sua.
Muitas vezes o desgosto que o levava à biblioteca era maior do que simplesmente orgulho ferido. Algo que atravessava todo o resto e que ele não sabia explicar. Um olhar triste de nostalgia precoce, encarando a fresta de tempo por onde lhe escapava a alma. Até os momentos mais alegres vinham acompanhados de certa melancolia. Nessas horas, via-se em desvantagem em relação ao resto do mundo. Não encontrava cumplicidade em lugar algum. Era um menino de angústias infinitas.
A Irmã Laura tentava lhe podar as leituras. De início, com algum sucesso. Achava que alguns livros o garoto só poderia ler no segundo grau. Implicava com ele. Que estranho era alguém amolar quem só queria ler livros! O que poderia haver de tão importante em um moleque lendo um livro? E principalmente aquele livro, que ela considerava tão impróprio? Eu não tinha mais do que doze anos quando surrupiei “O encontro marcado” da biblioteca do Colégio Sion, no Cosme Velho.
Do Fernando Sabino, já havia lido praticamente tudo, os volumes de crônicas (como muitos, fui apresentado ao Sabino pela série “Para gostar de ler”) e seus outros romances (”O menino no espelho” e “O grande mentecapto”, com destaque). Era seu fã confesso e solitário, entre colegas que não ligavam muito para livros. Essa relação ganhou outras tintas depois que li o ”Encontro”. Sabino, a esta altura amigo íntimo, me deu as palavras que eu ainda não conhecia para definir e explicar a angústia que eu puxava sem saber. Não apenas me deu palavras, mas me acompanhou por anos. Já não me sentia ilhado naquele sentimento. Havia Eduardo Marciano, e havia eu. Que, de forma torta, fui me vendo cada vez mais naquele livro, em cada vez que o relia, em todo ano que o reli.
Quando soube da morte do Fernando, depois da tristeza e de um porre de oito horas, amanheci pensando que nunca havia lhe agradecido. Tímido ou receoso, nunca tentei entrar em contato, nem por fax ou carta. O máximo que fiz foi, alguns meses atrás, lhe enviar uma cópia do meu primeiro romance com uma dedicatória onde eu também me dizia ser um Marciano. Hoje vejo como fui sem graça. Afinal, como agradecer a alguém que lhe deu o norte na vida? Se antes eu pensava em cem caminhos, Sabino me apontou o único possível.
Obrigado, Fernando. Você não me deu um nome, mas me ofereceu uma estrela. Eu acreditei, fui buscá-la. Hoje, continuo essa busca. Preciso continuar, mesmo agora que o mundo ficou pior, sem um Fernando escrevendo crônicas, viajando pelo mundo, cercado de amigos, contando histórias, bebendo uísque, tocando bateria, ouvindo jazz, passeando por Ipanema e não atendendo o telefone. Estamos sempre começando. E é preciso continuar, mesmo sabendo que seremos interrompidos. Estamos sempre começando. Antes do fim, e apesar dele, estamos sempre começando. Fico sem jeito de falar, Fernando, mas nos últimos quinze anos, te amei profundamente. Não apenas como se ama um autor, mas como se ama um amigo, um companheiro de todas as horas. Por tudo, como te agradecer, Fernando?
November 16, 2009
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Um pequeno intervalo
by Eduardo Marciano
O A Falta Que Ele Faz vai entrar numa pequena pausa, coisa pouca, até a segunda semana de novembro.
October 27, 2009
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Fernando Sabino, o amigo
by Eduardo Marciano
*
Mauro Ventura, segundo biografia que consta no DizVentura, blog que ele mantém no portal Globo OnLine, é “repórter especial do Segundo Caderno do Globo, onde assina ainda a coluna ‘Dois cafés e a conta’ na Revista O Globo. Filho de Zuenir Ventura, é gente finíssima – como o pai – e nasceu no Rio de Janeiro. Foi um dos grandes amigos de Fernando Sabino durante os últimos anos de vida do escritor mineiro. O texto abaixo é inédito, Mauro Ventura escreveu especialmente para esta homenagem.
Um dia toca o telefone da redação – como vive tocando o telefone da redação. Atendi com a indiferença habitual, imaginando se tratar de um assessor de imprensa, de um leitor ou de alguém solicitando uma informação qualquer. Mas não. Do outro lado da linha estava Fernando Sabino, meu ídolo literário, homem de muitas palavras – na vida particular –, mas de raríssimas declarações – na vida pública. Ele ligava para ver se eu tinha como ajudar um morador de rua que não tinha os dois braços. Havia conversado com o rapaz dias antes, e o encontro deixara-o “comovido de chorar”.
Fernando era assim. Tinha uma frase que gostava de usar: “Quando você tem um problema muito difícil de resolver, comece por resolver o problema dos outros”. Conheci-o em 2001, quando preparava uma capa sobre sua correspondência com Clarice Lispector. Levei tempo tentando entrevistá-lo. Ele se esquivava com a desculpa habitual: “Ah, escreve você, coloca uma palavras bonitas na minha boca…”. Explicava que tudo que tinha a dizer estava em sua obra. Também achava que já tinha dado muitas entrevistas: “Vou ficar me repetindo que nem velhinho gagá?”.
Finalmente consegui falar com ele, graças a muita insistência e à ajuda de um amigo em comum, Marcelo Andrade. A partir dali, tornamo-nos próximos. Quando eu escrevia sobre ele, Fernando retornava com seu exagero e sua generosidade habituais. “Estou de joelhos, esmagado. Você é um esteta. Sofre da proporção do equilíbrio, do bom senso e da harmonia. É a consagração. O texto tem uma delicadeza não açucarada. Fiz uma primeira leitura, com os olhos molhados. Fiz uma segunda leitura, com os olhos enxutos de profissional, e posso dizer: é a coisa mais bonita que já saiu sobre mim”, contou certa vez ao telefone, após uma matéria sobre seus 80 anos.
Uma vez, escreveu-me pedindo autorização para publicar trechos de um texto meu na abertura de seu novo livro, uma “autobiografia não-autorizada”*. Levei um susto e pensei em dizer: “Quando você quer?”. Mas respondi apenas “Claro!”, antes de sair pulando pela casa. Com uma frequência menor do que eu gostaria, falávamos ou almoçávamos – ele gostava de ir ao Alvaro’s, no Leblon. É verdade que depois das críticas que recebeu por “Zélia, uma paixão” restringiu sua vida social. Mas o livro virou uma página menor numa trajetória literária admirável, que teve seu ápice com “O encontro marcado”.
De qualquer maneira, Fernando chateava-se com a fama de recluso. Tinha, explicava, era horror a chatos. Preferia o contato com porteiros, manobristas, mendigos, camelôs – gente comum, tantas vezes transformada em texto. Ao olhar generoso aliava-se um espírito curioso, um humor afiado e um talento extraordinário como cronista. Se nada mais o jornalismo tivesse me dado, bastava-me o privilégio de ter virado amigo de Fernando.
* [Mauro escreveu sobre esta “autobiografia não-autorizada” na edição especial para os 50 anos de “O encontro marcado” do caderno “Prosa&Verso”, do jornal O Globo de 07 de outubro de 2006. O trecho em que ele fala sobre o livro você lê a seguir, e está sendo republicado aqui mediante autorização do autor.]
Sabino deixou prontos cerca de três capítulos do que chamava de “autobiografia não-autorizada por mim mesmo” ou “memórias póstumas antecipadas não autorizadas”. Os originais vão permanecer inéditos, porque em seu testamento ele proíbe qualquer publicação post-mortem. “O que não foi publicado é porque não presta”, justificava.
Em obra inacabada, Eduardo Marciano faz biografia de Sabino No romance inacabado, ele retoma seu personagem mais famoso, Eduardo Marciano, que agora biografa o próprio Sabino. Num trecho, por exemplo, Marciano diz, a propósito de seu criador: “Prosseguiu, na juventude, com as novelas de ‘A vida real’; na meia-idade, com a sua biografia disfarçada sob meu nome em ‘O encontro marcado’; na maturidade, com a maluquice dele próprio em ‘O grande mentecapto’; na segunda infância, com a criança que gostaria de voltar a ser em ‘O menino no espelho’. Tudo isso entremeado de crônicas, contos e novelas reunidos em livros que lhe asseguram o sustento, pelo menos até hoje.”
Em “O encontro marcado”, Marciano tenta a todo custo realizar seu grande sonho – escrever seu primeiro livro. Não consegue. Sabino, ao contrário, foi bem-sucedido em fazer seu romance de estréia, graças a Marciano. Agora, é como se Marciano finalmente desse o troco e escrevesse sua obra inaugural, à custa de Sabino.
October 19, 2009
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