sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010



FELIPE PENA


Entrevista com Felipe Pena

– O marido perfeito mora ao lado

/ Entrevista feita pela editora Record.

Felipe Pena é psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, com pós-doutorado pela Sorbonne, é autor de dezenas de artigos científicos publicados no Brasil e no exterior, além de oito livros acadêmicos e do romance O analfabeto que passou no vestibular. Foi sub-Reitor da UNESA, repórter e apresentador da TV Manchete e comentarista da TVE-Brasil.

Assina uma coluna mensal no Jornal do Brasil e no site http://www.felipepena.com



“Quero fazer o leitor virar a página. Se você disser que não conseguiu largar o livro terá feito o melhor elogio que eu posso receber. Esse será meu maior prêmio.”


1. O marido perfeito mora ao lado é seu décimo livro, mas é apenas o segundo romance. Os demais eram acadêmicos. Aliás, você fez mestrado e doutorado em literatura e pós-doutorado em semiologia na Sorbonne, em Paris. A formação acadêmica ajuda ou atrapalha o escritor?
Ajuda e atrapalha. A formação como jornalista, por exemplo, me ajudou muito. Do jornalismo, trago as técnicas de apuração e síntese, o gosto pelo detalhe e a pressão do deadline, que é minha principal fonte de inspiração (risos). Mas não sigo a orientação canônica do doutorado em literatura. Os ditames da academia atrapalham o escritor. Hoje, há muita gente escrevendo apenas para agradar a uma parcela da crítica, cujos parâmetros de análise ainda seguem um modelo obsoleto de análise da linguagem. Sou professor, oriento teses de mestrado e doutorado, mas tento evitar essa má influência (risos).
O marido perfeito mora ao lado é uma história de amor. Fala da incomunicabilidade entre os casais, da dificuldade de entender o outro, das armadilhas da paixão. Eu só podia falar sobre isso em uma linguagem simples, direta, pois são problemas pelos quais todos nós já passamos. Mas é claro que eu escolhi uma estratégia narrativa com a pretensão de prender o leitor, de não deixá-lo largar o livro. Há muitas viradas no enredo, muitas surpresas. E eu espero que o final seja surpreendente.


2. Você tem alguma rotina para escrever? Obedece a horários, planeja o que escreverá ou o tema vai surgindo e se desenvolvendo livremente? Quanto tempo demora preparando um livro?
Escrevo todos os dias, durante três ou quatro horas, pelo menos. Mas não consigo planejar o que escrevo. Eu até tento, mas não consigo. A história vai surgindo, os personagens têm vida própria, mandam no autor. Antes de escrever ficção, eu achava que isso era papo de escritor, agora sei que é verdade. Tanto o romance anterior (O analfabeto que passou no vestibular, Ed. 7 letras) como este levaram um ano e meio para ficarem prontos, contando o tempo de pesquisa e a redação.

3. Sua escrita é nitidamente influenciada pelo cinema. A narrativa parece fluir como um roteiro. Já pensa em levar o romance para as telas?
Pra ser sincero, penso sim. Algumas produtoras já fizeram contato e eu estou estudando o assunto. Mas o estranho é que eu não penso no romance em termos de imagem ou como o roteiro de um filme. Se isso acontece deve ser por influência estética mesmo, não por opção consciente. Mas confesso que, às vezes, utilizo as vozes de alguns atores que gosto para pensar nos personagens. Para visualizar a Nicole, por exemplo, que está nos dois romances, às vezes imaginava a Mariana Ximenes ou a Maria Fernanda Cândido, tentando pensar na sensualidade, no carisma da personagem. Mas isso é apenas um truque. Não é determinante na escrita.

4. No ano passado, uma entrevista sua ao jornal O Globo provocou muita polêmica. Na época, você disse que a literatura brasileira contemporânea era chata, hermética e besta, além de prestar um desserviço à leitura. Continua com essa opinião?
Eu fui obviamente generalista naquela entrevista. Fiz isso de propósito, para provocar o debate, não citei nomes. Mas é fácil verificar que boa parte dos escritores contemporâneos não estão preocupados com os leitores, mas apenas com a satisfação da vaidade intelectual. Escrevem para si mesmos e para um ínfimo público letrado, baseando as narrativas em jogos de linguagem que têm como único objetivo demonstrar uma suposta genialidade literária. Acreditam que são a reencarnação de James Joyce e fazem parte de uma estirpe iluminada. Por isso, consideram um desrespeito ao próprio currículo elaborar enredos ágeis, escritos com simplicidade e fluência. E depois reclamam que não são lidos.
Não quero dizer que esse tipo de literatura não deva ser produzida. É o contrário. Respeito e admiro muitos destes escritores. Cada um escreve como pode. Apenas defendo que também exista espaço nos suplementos literários para escritores que estão preocupados em formar leitores, com enredos lúdicos e bem articulados, que resgatem o prazer da leitura.
A literatura brasileira contemporânea tem poucos autores dispostos a contar uma boa história, sem a preocupação de produzir experimentalismos e jogos de linguagem, mas eles convivem com o receio de serem arbitrariamente rotulados como superficiais. Só que a realidade é inversa. Escrever fácil é muito difícil. Em literatura, entretenimento, não é passatempo, é sedução pela palavra. E se for apenas passatempo, qual é o problema?
Apesar da tão apregoada diversidade da prosa nacional, uma parte da crítica acadêmica (sou professor universitário e isso é um mea culpa) dividiu-a em pólos antagônicos. Quem não é moderninho, é superficial. E ponto final. Essa é a generalização leviana da nossa literatura. É ela que produz distorções, afasta leitores e joga sua névoa sobre o mundo literário.
Recentemente, o Zuenir Ventura tocou nesse assunto em sua coluna no Globo ao falar sobre os romances que são obrigatórios para os adolescentes na escola. Se não houver prazer na leitura como vamos formar leitores?

5. Que escritores o influenciaram, quais são suas referências literárias? O que costuma ler?
Meus clássicos são Balzac, Hemingway, Poe, Freud, García Márquez e Rubem Fonseca. Mas também sou influenciado pela poesia, pela música popular e até pela internet. Escrevo misturando técnicas do folhetim e do policial, mas sempre penso no ritmo e na melodia das frases. Tenho a pretensão de seduzir o leitor, de fazê-lo virar a página. Esse é meu único objetivo. Se você disser que não conseguiu largar o livro, terá feito o melhor elogio que posso receber. Esse será meu maior prêmio.
Atualmente, leio os autores brasileiros contemporâneos. Na minha cabeceira estão Fernando Molica, Daniel Galera, Bernardo Carvalho, Milton Hatoum, João Paulo Cuenca, Adriana Lisboa, Tatiana Salém Levy, Carpinejar, Marcelino Freire, Marcelo Moutinho, Edney Silvestre, Angela Dutra de Menezes, Luis Eduardo Matta, André Vianco, Arnaldo Bloch, Mário Sabino, Veríssimo, Ruffato, Lucia Bettencourt, Lívia Garcia-Roza, Luiz Alfredo Garcia-Roza, Cristóvão Tezza, Marçal Aquino, Alberto Mussa, José Castelo, Sérgio Rodrigues, Mutarelli, Santiago Nazarian, Ana Paula Maia, Manoela Sawitski e muitos outros cujos nomes vou esquecer de citar, mas que fazem parte da minha pesquisa aqui na universidade para a produção de um livro sobre a literatura brasileira contemporânea.


6. Uma nota sua, na apresentação dos personagens de "O marido perfeito mora ao lado", informa que a obra é totalmente ficcional e uma caricatura psicanalítica. Mas ali estão personagens típicos da vida atual: o marido que trai a mulher com sua complacência, a amante que quer acreditar na sinceridade do amado, a amalucada que quer destruir quem se envolve com o objeto de sua paixão... Você conheceu alguns desses personagens?
Sou jornalista, faço pesquisa de campo, mas todos os personagens são ficcionais. Posso misturar observações sobre personagens reais, mas nunca os transporto para o enredo. Cada personagem é uma mistura de diversas características de diferentes pessoas com invenções sobre essas características. Nenhum personagem é baseado numa pessoa, muito menos emite qualquer tipo de juízo. Em alguns casos, fica clara a preocupação com uma determinada ética, mas nunca com uma moral. Isso seria um erro.

7. A história não tem "mocinhos". Todos têm lados bons e lados maus. No entanto, há algum rigor na crítica ao descrever os hábitos dos jovens mais abastados, que parecem ter interesse circunstancial nos pacientes que atendem?
Novamente, é a questão de se preocupar com a ética dominante, mas sem emitir juízo de valor, o que seria um julgamento moral. Por isso, ninguém é mocinho ou bandido. São apenas humanos, demasiado humanos, como diria o Nietzsche. A crítica a uma determinada ética tem como objetivo provocar reflexões sobre ela. Como psicólogo, penso nas motivações desses jovens, nas suas angústias. Mas a minha preocupação principal ainda é com a ficção, com a narrativa. Só quero contar uma boa história.

8. Já houve bastante crítica ao excesso de "psicologismos" para explicar comportamentos desviantes. Há momentos no decorrer da trama que o leitor é levado a conhecer patologias e casos como se estivesse numa aula. Você quis disseminar um pouco desses conhecimentos através do livro ou acha que eles eram importantes para estabelecer o desfecho da história?
Tive a intenção de brincar um pouco com o excesso de psicologismo de alguns romances contemporâneos. Daí a nota descrevendo o livro como uma caricatura psicoliterária. Ao mesmo tempo, acho que os conceitos podem ajudar no enredo, trazer alguma informação para o leitor. O livro fala de casais, da incomunicabilidade entre homens e mulheres, das dificuldades inerentes à paixão. Então, a psicologia passa a ter um papel importante na trama, para pontuar essas dificuldades.
Mas a verdade mesmo é que eu quis apenas escrever uma história de amor. Só isso.



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